Governo Lula corta R$ 5,7 bi e atinge Farmácia Popular, Auxílio Gás, PF, Exército e obras em rodovias
Ministério do Planejamento afirma que tesourada não compromete políticas públicas ou atividades, mas órgãos contestam
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cortou R$ 5,7 bilhões em despesas não obrigatórias no Orçamento neste ano, atingindo órgãos como Receita Federal, Polícia Federal e Exército, verbas do programa Farmácia Popular, ensino integral e Auxílio Gás e obras em rodovias federais, entre outras. Por outro lado, o crescimento da demanda por benefícios previdenciários levou o Executivo federal a aumentar em R$ 13 bilhões a previsão para o pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS no ano.
Os cortes incluem os gastos que passaram por revisão após o resultado da inflação de 2023, conforme exigido pelo arcabouço fiscal, e outras despesas que foram reduzidas ao longo deste ano e que não tiveram o dinheiro reposto até agora, de acordo com levantamento feito pelo Estadão com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), do governo federal, e do Siga Brasil, mantido pelo Senado.
Procurado, o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que houve um ajuste de R$ 4,1 bilhões em março em despesas que estavam condicionadas ao resultado da inflação efetiva em 2023 e que foram retiradas após apuração do índice. Em abril e maio, a pasta alegou cancelamento a pedido dos ministérios afetados e por decisão governamental. “Em todas essas ocasiões, os órgãos argumentaram que os cancelamentos não trariam prejuízo à execução de suas políticas públicas ou atividades.” Os órgãos, porém, contestam.
A situação mostra que a pressão das despesas obrigatórias, como aposentadorias e pensões, sobre o Orçamento e o efeito nas verbas de manutenção dos órgãos e serviços públicos e nos investimentos não é um problema endereçado para o futuro, mas já é realidade.
Os números também evidenciam que o espaço adicional permitido pelo arcabouço fiscal neste ano, de R$ 15,8 bilhões, já foi consumido, considerando o aumento dos gastos obrigatórios e a derrubada de vetos às emendas de comissão.
O corte mais expressivo foi na manutenção administrativa de diversos órgãos federais, que tiveram redução de R$ 799,6 milhões. Foram 83 instituições afetadas, incluindo Receita Federal, Polícia Federal e Exército. O Exército afirmou que o corte impacta o planejamento estratégico realizado pela Força. “Os principais reflexos estão na sustentabilidade dos materiais de emprego militar existentes e na administração e no funcionamento das Organizações Militares”, disse a instituição.
A Polícia Federal disse à reportagem que, em comparação com 2023, a redução é ainda maior, superior a R$ 200 milhões. “Este fato poderá impactar diversas atividades do órgão, como a realização de investigações e operações, a execução dos trabalhos de polícia judiciária e administrativa, a segurança das reuniões do G20, as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, emissão de passaportes e mesmo a manutenção de serviços básicos, como o pagamento de aluguéis e o abastecimento de viaturas”, disse a PF. A instituição pediu recomposição ao Ministério do Planejamento e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, à qual é vinculada.
O programa Farmácia Popular, que fornece medicamentos gratuitos e descontos para a população mais pobre, teve redução de R$ 185 milhões no sistema de gratuidade e R$ 107 milhões no sistema de co-pagamento. A implantação de escolas em tempo integral, programa prioritário do Ministério da Educação, perdeu R$ 165,8 milhões. O Auxílio Gás, que paga o botijão de gás de cozinha para famílias carentes, sofreu corte de R$ 69,7 milhões.
O Ministério da Saúde afirmou que o programa Farmácia Popular saiu de um orçamento limitado a R$ 1 bilhão em 2022 para R$ 5,4 bilhões em 2024. “Em que pese a redução de recursos, isto não impacta no planejamento do ministério de imediato, tendo em vista que, ao longo do exercício financeiro, estes recursos poderão ser reestabelecidos e o planejamento anual ser executado de forma adequada.”
Economistas alertam para crescimento das despesas com Previdência Social
Em maio, o governo aumentou o orçamento dos benefícios previdenciários para 2024 em R$ 13 bilhões. De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), houve concessão de 654.021 novos benefícios no mês anterior, incluindo auxílio-doença, salário-maternidade, aposentadoria, pensões e Benefício de Prestação Continua (BPC, concedido a pessoas idosas e com deficiência), que demandaram o acréscimo.
Os benefícios previdenciários são reajustados pelo salário mínimo. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, chegou a propor a desvinculação. Em entrevista ao Estadão, porém, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não vê “muito espaço” para essa discussão.
O Ministério do Planejamento afirmou que as despesas com a Previdência Social aumentaram após aprovação do crédito de R$ 15,8 bilhões do arcabouço pelo Congresso e da reavaliação de despesas feitas pelo Executivo em maio, em função da concessão de benefícios. De acordo com o ministério, o corte nas despesas discricionárias (não obrigatórias) não serviu para aumentar o valor nas obrigatórias.
Em maio, o governo conseguiu um recurso extra de R$ 15,8 bilhões, autorizado pelo arcabouço fiscal, e anunciou o desbloqueio de despesas no Orçamento, mas não recompôs recursos que foram efetivamente cortados do caixa.
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, afirma que os gastos previdenciários pressionam cada vez mais o Orçamento, exigindo corte nos investimentos e na manutenção de órgãos e serviços públicos. “Se o governo não começar atacando o problema previdenciário para valer, vai continuar dando voltas“, afirma.
“Hoje, o que ele faz é apertar quem já está apertado, que são os gastos discricionários, e parte da conta está sendo paga pelo encolhimento dos investimentos em infraestrutura, sem os quais a economia não cresce.” Velloso defende uma nova e profunda reforma da Previdência, com revisão de regras e implantação de um sistema de capitalização.
Para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, as despesas com Previdência estavam subestimadas no Orçamento de 2024 – o que exigiu a revisão pelo governo federal –, e novos aumentos estão no horizonte.
“As despesas estavam subestimadas. Isso era pedra cantada, menos de R$ 910 bilhões na LOA (Lei Orçamentária Anual). Agora, estão correndo atrás do prejuízo para cobrir a subestimativa e dar conta de todos os pagamentos. Despesa obrigatória tem de ser paga. Não tem escapatória.”
Ele afirma que as pressões de gastos eram “muito maiores do que o espaço aberto” com o crédito extra permitido pelo arcabouço. “Só com a Previdência, nas minhas contas, o governo deveria revisar o gasto para pelo menos R$ 932,5 bilhões”, diz Felipe Salto. A última estimativa do Executivo, porém, é de R$ 917,8 bilhões. O economista defende desvinculação dos pagamentos ao salário mínimo e corte em outras despesa da União.
PAC é afetado por cortes e emendas ficam blindadas
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), outra vitrine do governo Lula, não foi poupado. Um conjunto de 12 obras em rodovias federais teve 100% do recurso retirado do Orçamento, incluindo a construção da contorno rodoviário em Cuiabá, nas BRs 070, 163 e 364, e a construção de trechos rodoviários, no Piauí, em Pernambuco, na Bahia, em Minas Gerais e em Mato Grosso do Sul.
De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o cancelamento foi um remanejamento feito pelo órgão “com o objetivo de otimizar a alocação de recursos, sem qualquer prejuízo para os empreendimentos rodoviários federais em execução”. Outras obras foram contempladas com acréscimo de recursos e, de acordo com o DNIT, o orçamento total da autarquia não sofreu redução.
Em meio aos cortes, as emendas parlamentares foram blindadas. A legislação aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula blinda os recursos indicados por deputados e senadores, que não podem ser reduzidos pelo governo e precisam ser liberados de acordo com a vontade dos parlamentares. As despesas afetadas são aquelas que ficam sob controle direto do Executivo federal.
Fonte - O Estadão / Por Daniel Weterman
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